Mulheres no artesanato: uma narrativa de independência

Escultura de uma mulher artesã.

Fonte: Artesol 

AUTORIA: Lavínia Botelho

O papel da mulher na produção artesanal é de extrema importância e ocupa um espaço primordial. Em todas as partes do Brasil, as artesãs exercem funções para o desenvolvimento do artesanato e, também, para a sua maior valorização, contribuindo de diferentes formas neste processo e deixando sua marca no artesanato brasileiro.

A tradição da mulher artesã

Muitas vezes o fazer artesanal é visto como uma atividade puramente feminina, principalmente em sociedades tradicionais. Segundo a autora Iraildes Torres, em seu texto sobre a visibilidade do trabalho artesão entre as mulheres ticunas, na sociedade ticuna, na Amazônia, haveria uma divisão sexual do trabalho onde a mulher ficaria responsável pela confecção dos recipientes de cerâmica, sendo que esses seriam associados a ela pelo simbolismo que traziam.

Atualmente, essa produção artesanal ticuna apresenta uma grande importância social, com comunidades que usam desse comércio como sua fonte de renda, trazendo uma maior independência financeira para essas mulheres. A Associação de Mulheres Artesãs Ticunas de Bom Caminho (AMATU) se tornou uma forma de encaminhar esses artesanatos fabricados para um maior público consumidor e colocam as artesãs numa posição em que podem garantir o sustento de sua família.

Dentro das diversas possibilidades do artesanato, as mulheres mostraram um desempenho formidável nas complexas ações que compõem os processos. Usando de seu intelecto e de sua destreza com as mãos, conseguem criar os objetos com extrema delicadeza e desvendar os trajetos necessários para construir suas peças artesanais.

Os saberes tradicionais relacionados ao artesanato são passados de geração a geração, criando, assim, um legado dentro da cultura local que se faz a partir da matéria-prima disponível na região. Essa tradição se mantém ao mesmo tempo que acrescenta inovações que vão surgindo e recebe o auxílio do design para releituras, desenvolvendo o artesanato de referência cultural.

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Os grupos regionais e o desenvolvimento local

Muitas vezes, mesmo com toda a dedicação e o talento presentes no processo artesanal, falta a visibilidade dos artigos confeccionados para conquistar um público maior. São muitas horas de dedicação investidas no fazer artesanal, que, por não serem vistas ou entendidas por muitas pessoas, acabam sendo desvalorizadas. Por essa razão, é importante o apoio regional, de instituições e entidades, ao artesanato produzido localmente.

Alguns grupos de mulheres artesãs de Brasília começaram projetos de geração de renda. A autora Aline Canani fez uma pesquisa entre alguns desses grupos e o papel dessas mulheres no desenvolvimento local. Esses grupos se organizam de modo que as mulheres conseguem desempenhar tanto seus papéis de mãe quanto de provedora de sustento para a casa.

Através do apoio do SEBRAE, esses grupos de Brasília se estruturaram muito mais e conseguiram alcançar uma maior visibilidade para seu artesanato, participando de grandes feiras nacionais, apresentando assim uma valorização de seu trabalho e dedicação. Assim, é possível ver o potencial enorme que essas mulheres já apresentavam e apresentam, e como foi apenas necessária uma oportunidade de colocar seus produtos sob uma lente maior para que elas obtivessem muito sucesso e prosperassem nesse meio.

No artesanato, a mulher combina o intelecto e a destreza com as mãos para criar objetos com extrema delicadeza e desvendar os trajetos necessários para construir suas peças artesanais.

Grupo de artesãs. Fonte: Artesol

Além do potencial de seu artesanato, outra parte destacada é a presença das lideranças femininas que estão à frente dos projetos. São elas que incentivam a participação da população e ajudam no processo de desenvolvimento local, com mais mulheres entrando para os grupos e adquirindo maior independência e aumentando tanto sua renda, quanto a da região.

Muitas mulheres engatam nesse ofício por ser algo com o qual estão acostumadas e possuem certa proximidade e apreço, como dito por Canani em:

“Também é estimulante para elas o fato de conseguirem obter um retorno financeiro do desempenho de uma atividade lúdica e prazerosa. Conseguir obter renda através do artesanato modificou as suas vidas tanto do ponto de vista social ou relacional […], quanto do ponto de vista financeiro […].” (CANANI, 2008, p. 55)

A Cultura Material e a posição feminina

Ao pensarmos a cultura material como algo rodeado de simbolismos próprios, fora do que damos a ela, todos os seus aspectos se tornam relevantes para o significado que ela traz. Uma peça de artesanato é muito mais que um mero objeto, mas uma representação da cultura envolvida em sua fabricação, seja a matéria prima, sua utilidade e, principalmente nesse caso, quem a faz. (Barbosa, D’Ávila, 2014)

Segundo pesquisas feitas pelo IBGE em 2007, 87% do número total de artesãos são mulheres. Sendo, assim, a maioria, não há como negar que isso impacta a forma como o artesanato é feito, que simboliza todo o processo e as vivências dessas mulheres e como elas escolhem expressá-las. A forma como elas veem e sentem a sociedade em que estão inseridas é refletida em sua arte.

Sobre o importante papel das mulheres no artesanato, as autoras Maria Inácia D’Ávila e Cintia Pires fazem uma observação

O ‘empoderamento’ traz em si uma vivência, uma forma de estar no mundo onde a tomada de consciência das habilidades e competências gera ações que envolvem ‘produzir, criar e gerir’, e que estão fortemente presentes no processo que envolve o fazer artesanal (apud Barbosa, D’Ávila, 2014, p. 146-147).

Assim, as artesãs conseguem espaço para ter seus próprios negócios e colher vários frutos com isso, seja a independência financeira ou também o aumento da autoestima, ao verem seu trabalho sendo valorizado por um público maior e, por vezes, até internacional. O reconhecimento dessas mulheres deve continuar crescendo e seu trabalho se desenvolvendo cada vez mais com as técnicas, sempre sendo passado adiante para seguir brilhando no futuro.

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e de inteira responsabilidade do autor, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Ministério da Economia e do Programa do Artesanato Brasileiro.

 

Referências

BARBOSA, Vera Lucia; D’ÁVILA, Maria Inácia. Mulheres e Artesanato: um ⠸ofício feminino⠹ no povoado do bichinho/prados-mg. Revista Ártemis, [S.L.], v. 17, n. 1, p. 141-152, 31 jul. 2014. Portal de Periodicos UFPB.

CANANI, Aline. De Bonecas, Flores e Bordados: investigações antropológicas no campo do artesanato em brasília. 2008. 322 f. Tese (Doutorado) – Curso de Antropologia Social, Universidade de Brasília, Brasília, 2008.

TORRES, Iraildes. A visibilidade do trabalho das mulheres ticunas da Amazônia. Estudos Feministas, Florianópolis, 15(2): p. 469-475, maio-agosto/2007.

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