Marco Jurídico do Artesanato Brasileiro

Símbolo da justiça

AUTORIA: Ari Rodrigues

O Projeto Estruturação do Sistema de Gestão do Artesanato Brasileiro: Diagnóstico e Planejamento Estratégico ofertou o primeiro curso de extensão no formato remoto, denominado Políticas Públicas e Desenvolvimento do Artesanato. A capacitação compõe o diagnóstico nacional da atividade e fundamenta-se no levantamento participativo dos dados, na troca de saberes entre os sujeitos protagonistas do setor e no fortalecimento da rede com foco na implementação de políticas públicas.

Nos módulos iniciais da capacitação, tratou-se da Portaria Nº 1.007-SEI/2018, documento fundamental para o setor, que institui o Programa do Artesanato Brasileiro (PAB) e dispõe sobre a base conceitual do artesanato nacional; e do conceito de políticas públicas, seu ciclo de operação e as técnicas de avaliação dos resultados atingidos. 

O terceiro tema abordado pela qualificação foi o Marco Jurídico do Artesanato Brasileiro. O docente responsável por ministrar o módulo foi Pedro Augusto Gravatá Nicoli, professor da Faculdade de Direito da UFMG e membro do corpo permanente do Programa de Pós-Graduação. A ementa proposta para o módulo foi:

Trabalhar a ideia de um “Marco jurídico do artesanato brasileiro” a partir de diversos âmbitos da regulação que influem diretamente no artesanato como prática, na vida de artesãs e artesãos como trabalhadores e nas instituições e organizações ao redor do setor.

A concepção de um “marco jurídico” está relacionada à manifestação do Direito na vida cotidiana. Segundo Paulo Dourado de Gusmão, Direito é um “conjunto de normas executáveis coercitivamente, reconhecidas ou estabelecidas e aplicadas por órgãos institucionalizados”. Para o jurista Hans Kelsen, refere-se a “um conjunto de regras que possui o tipo de unidade que entendemos por sistema”. No âmbito brasileiro, a sociedade é norteada por Leis, Convenções, Medidas Provisórias e Tratados.

Neste sentido, a regulação do artesanato é complexa em função da diversidade de agentes e contextos envolvidos na atividade, que permeiam desde aspectos socioculturais até políticos e econômicos. É imprescindível discutir propostas que articulem melhorias para os indivíduos e as instituições constituintes de todas as etapas do processo produtivo. Portanto, julga-se fundamental pensar o universal: sujeitos e relações, comunidades e coletividades, trajetórias e tempos, instituições e estruturas, além de demandas e conflitos.

Os focos adotados pelo professor Pedro Nicoli foram: normas jurídicas: gerais e obrigatórias; hierarquia de normas; estrutura federada: União, Estados e Municípios; competências normativas; regulamentação administrativa e aplicação de normas, assumindo a Constituição como ponto de partida.

A Constituição Federal de 1988

Denominada Constituição Cidadã, rege a sociedade brasileira desde sua publicação, em 5 de outubro de 1988. Trata-se da sétima constituição do Brasil, sendo a sexta após a proclamação da República, em 1889. A promulgação do documento foi realizada pela Assembleia Nacional Constituinte, logo após a ditadura militar (1964-1985), e centrou-se nas perspectivas de direitos humanos, democracia e justiça social.

A Constituição de 1988 está estruturada em nove títulos e compreende 250 artigos e mais 1.600 dispositivos. Os títulos são: I – Princípios Fundamentais; II – Direitos e Garantias Fundamentais; III – Organização do Estado; IV – Organização dos Poderes; V – Defesa do Estado e das Instituições Democráticas; VI – Tributação e Orçamento; VII – Ordem Econômica e Financeira; VIII – Ordem Social; e IX – Disposições Constitucionais Gerais.

As principais características desta constituição são:

  • Sistema federalista de governo, pautado em eleições diretas e universais;
  • Ampla garantia de direitos fundamentais;
  • Instituição do Sistema Único de Saúde (SUS);
  • Definiu o voto facultativo para jovens de 16 a 18 anos;
  • Maior autonomia para os municípios;
  • Liberdade de expressão e fim da censura;
  • Criminalização do racismo, estabelecido como crime inafiançável e imprescritível;
  • Marco nos direitos dos indígenas com demarcação de terras e proteção do meio ambiente.

Os Eixos Temáticos do Marco Jurídico

Conforme apresentado pelo professor Pedro Nicoli, o artesanato e o direito estão interligados através de doze eixos temáticos, divididos em seis categorias, que são: regulação direta, organização e trabalho, inserção social, dinâmica econômica e financeira, e conflitos. 

Eixos do Marco Jurídico.

Os doze eixos temáticos. Elaborado por Pedro Nicoli.

Eixo 1 – Normas Internacionais e Brasileiras

A atividade artesanal é deliberada por vários acordos nacionais e internacionais:

  • Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDES, 1966)

Consoante ao apresentado no Decreto nº 591/2012, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDES) foi adotado pela XXI Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966. No Art. 15 do documento, dispõe-se que “Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem a cada indivíduo o direito de: a) Participar da vida cultural; b) Desfrutar o processo científico e suas aplicações; e c) Beneficiar-se da proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de toda a produção científica, literária ou artística de que seja autor”.

  • Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco, 2003:

Durante esta cerimônia, realizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em Paris, definiu-se patrimônio imaterial como “as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos os indivíduos, reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural” (Art. 2).

  • Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais da Unesco, 2005:

Assinada em 20 de outubro de 2005, na capital francesa, nesta convenção, afirmou-se que “a diversidade cultural é uma característica essencial da humanidade”. Segundo o Art. 4, que trata de definições, “Proteção” significa a adoção de medidas que visem à preservação, salvaguarda e valorização da diversidade das expressões culturais.

  • Constituição de 1988

No Título I, denominado Princípios Fundamentais, dispõe-se no Art. 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político”.

No Art. 3º: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Além disso, no Art. 215: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”.

  • Lei 13.180/2015, da profissão Artesão

No Art. 1º, “a profissão de artesão presume o exercício de atividade predominantemente manual, que pode contar com o auxílio de ferramentas e outros equipamentos, desde que visem a assegurar qualidade, segurança e, quando couber, observância às normas oficiais aplicáveis ao produto”.

O Art. 2º apresenta que “o artesanato será objeto de política específica no âmbito da União, que terá como diretrizes básicas”, em linhas gerais: valorização da identidade e cultura nacionais, linha de crédito especial, integração no desenvolvimento, qualificação dos artesãos, apoio comercial, certificação da qualidade e divulgação.

  • Normas Administrativas, em especial: Portaria 1.007- SEI/2018, do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços

A Portaria 1007-SEI/2018 institui o Programa do Artesanato Brasileiro, cria a Comissão Nacional do Artesanato e dispõe sobre a base conceitual do artesanato brasileiro. Além disto, a legislação define os conceitos de artesão, mestre e artista popular; determina o que é considerado artesanato, classificando-o conforme a origem e a finalidade; dispõe sobre a Carteira Nacional do Artesão e, nos anexos, enumera o rol de categorias, de acordo com a matéria-prima utilizada, e o rol de técnicas artesanais.

Eixo 2 – Modelos Jurídicos de Organização

A lei 13.180/2015 estabelece que artesão é “toda pessoa física que desempenha suas atividades profissionais de forma individual, associada ou cooperativada”.

Associações (Código Civil)

Conforme o Art. 53 da Lei Nº 10.406/2002, “constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos”. Mesmo sem obter lucros, as associações possuem patrimônios, que são instrumentos para lograr suas finalidades. No caso do artesanato, há várias associações ao longo do país, como a Associação de Artesãos Unidos para Vencer (AAUV), que trabalha com trançado no Amazonas, e a Associação de Auxílio Mútuo dos Oleiros de Maragogipinho (AAMOM), onde são confeccionadas obras em cerâmica, no município de Maragogipinho, na Bahia.

Cooperativas (Lei 5.764/1971)

No Art. 4º, “as cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades” pela adesão voluntária, singularidade de voto, neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social, entre outras dimensões. Um exemplo do setor artesanal é a Cooperativa dos Artesãos dos Lençóis Maranhenses (ARTECOOP).

Sindicatos

Segundo o professor José Augusto Rodrigues Pinto, sindicato é “uma associação constituída, em caráter permanente, por pessoas físicas ou jurídicas para estudo e defesa de seus interesses afins e prestação assistencial a todo o grupo, além de outras atividades complementares que o favoreçam”. No caso do artesanato, há o Sindicato dos Comerciantes Artesãos Empreendedores Autônomos e o Sindicato dos Artesãos do Estado de São Paulo (SINDIARTES), entre outros.

Federações e confederações 

Conforme o Decreto-Lei Nº 1.402/1939, constituem associações sindicais de grau superior as federações e confederações. No Art. 24, federação é apresentada como a união de pelo menos cinco sindicatos que representam um grupo de profissões idênticas, similares ou conexas. O texto sofreu alteração tênue pela Lei Nº 3.265/1957: “desde que representem a maioria absoluta de um grupo de atividades ou profissões, idênticas, similares ou conexas”. Ao passo que confederação refere-se à organização de três ou mais federações. Na conjuntura do artesanato brasileiro, destacam-se duas entidades: Confederação Brasileira dos Artesãos (CONART) e Confederação Nacional dos Artesãos do Brasil (CNARTS).

Modelos societários clássicos, micro e simplificados

O tipo societário é o modo que os sócios de uma empresa serão denotados juridicamente e quais serão suas atribuições no empreendimento.  As principais categorias são: Sociedade Limitada, Sociedade Simples, Sociedade Anônima, Sociedade Empresária, Microempreendedor Individual (MEI), Empresário Individual e Sociedade Limitada Unipessoal (SLU), sendo esta uma nova modalidade societária que substitui as Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada (Eireli), conforme Art. 41 da Lei nº 14.195/2021.

Eixo 3 – Modelos Jurídicos de Organização

Microempreendedor Individual (MEI, LC 128/2018)

É considerado Microempreendedor Individual (MEI) aquele que exerce as atividades de industrialização, comercialização e prestação de serviços na esfera rural, não possui sócios, contrata no máximo um(a) empregado(a), não participa de outra empresa como titular, sócio ou administrador e nem possui mais de um estabelecimento. Funcionários públicos federais não podem ser MEI. Além disso, o teto de faturamento é R$ 81.000,00 por ano.

Conforme o Art. 18-A da Lei Complementar Nº 128, “o Microempreendedor Individual – MEI poderá optar pelo recolhimento dos impostos e contribuições abrangidos pelo Simples Nacional em valores fixos mensais, independentemente da receita bruta por ele auferida no mês, na forma prevista neste artigo”. Isto é, há simplificação previdenciária, tributária e contábil (ICMS, IPI, IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, ISS e INSS Patronal). 

Trabalho autônomo ou por conta própria

O conceito de autônomo remete à liberdade de decisões. Quanto ao mercado de trabalho, refere-se à pessoa que, independentemente de sua qualificação, desempenha suas funções sem vínculo empregatício. Neste contexto, há o freelancer, que presta serviços eventuais para pessoas ou empresas em um prazo delimitado. A renda obtida varia de acordo com o volume de trabalho mensal e não há férias remuneradas nem 13º salário. O trabalho autônomo é a modalidade na qual a maioria dos artesãos brasileiros está inserida.

Emprego formal (CLT)

O emprego formal caracteriza-se pelo vínculo empregatício, no qual o empregador e o empregado firmam um contrato regido pelas regras da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), onde são dispostos os direitos e deveres de cada parte. Neste caso, os profissionais têm direito à aposentadoria segundo a legislação vigente, 30 dias de férias remuneradas, carga semanal de até 44 horas, e outras garantias.

Eixo 4 – Problemas na organização e no trabalho 

A informalidade abre espaço para a flexibilização e a precarização do trabalho, que é teorizada por Ana Izabel de Carvalho Pelegrino: “nessas atividades se verifica a ausência de garantias trabalhistas, como estabilidade, férias e outras conquistas dos trabalhadores”. Ou seja, as pessoas envolvidas nesta configuração ficam à margem das garantias e proteção da legislação trabalhista. Para além, com o advento da pandemia de Covid-19, a utilização de plataformas e marketplaces cresceu significativamente como alternativa para obtenção de renda, porém as condições de trabalho pioraram e houve queda expressiva nos rendimentos.

Em adição, há maiores incidências de fraudes trabalhistas, definidas como “atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos” contidos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), segundo Art. 9º desta lei. Outros fatores determinantes na informalidade são as dificuldades financeiras dos indivíduos, restrições para obtenção de créditos, além da inadimplência – cerca de 62,25 milhões de brasileiros estavam inadimplentes em agosto de 2021, segundo o Mapa da Inadimplência no Brasil, divulgado pela Serasa.

Em um estudo realizado pelo Clube do Artesanato no ano de 2017, que contou com a participação de 3649 pessoas, 17,7% estavam formalizados como Microempreendedor Individual (MEI) e os demais se encontravam na informalidade. Verificou-se, também, que apenas 8% dos participantes tinham pequenas lojas, enquanto cerca de 80% realizavam suas vendas para amigos e familiares. 

Em adição, a Portaria 1.007-SEI/2018 não prevê o cadastro de Microempreendedor Individual (MEI), conforme disposto no Artigo 9º: 

“Seção II – Do Cadastro Nacional do Artesão e das Entidades sem fins lucrativos

Art. 9° O artesão, para ter acesso às políticas públicas do Programa do Artesanato Brasileiro deverá previamente ser cadastrado no Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (SICAB), na forma do disposto desta Portaria.

Parágrafo Único: O SICAB contemplará as seguintes categorias de registro:

  1.  artesão profissional;
  2. mestre artesão profissional;
  3. associação de artesãos;
  4. cooperativa de artesão;
  5. grupo de produção artesanal;
  6. sindicato de artesão;
  7. federação de artesão;
  8. confederação de artesão.”

Eixo 5 – Seguridade Social 

Recentemente, o projeto de lei nº 1919/21, ainda em análise na Câmara dos Deputados, propõe a inclusão do trabalhador artesão como segurado especial da Previdência Social através da Carteira Nacional do Artesão. A proposta tem autoria da deputada Maria do Rosário, que apontou como benefícios o aumento na contribuição da Previdência Social e a garantiria direitos básicos a milhões de brasileiros, pois, segundo dados do IBGE de 2015, apenas um décimo dos 10 milhões profissionais eram segurados da Previdência. Para tanto, os artesãos e as artesãs devem atender a critérios como trabalhar em regime de economia familiar e possuir renda inferior ao salário mínimo vigente (R$ 1.100,00).

Eixo 6 – Regimes e Obrigações Contábeis e Tributárias 

Neste eixo, Pedro Nicoli chama atenção para três pontos: Marco regulatório das operações contábeis e financeiras; Regimes de tributação e modelos organizacionais e de trabalho; e Tributos em espécie: federal, estadual e municipal.

Um dos eixos do Marco Jurídico: Gestão Financeira e Tributação

Eixo 6 – Gestão Financeira e Tributação. Elaborado por Pedro Nicoli.

Eixo 7 – Propriedade intelectual

Conforme a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), na nota informativa nº 5 –  A propriedade intelectual e o artesanato tradicional – de 2016, “o artesanato tradicional exige técnicas especializadas e tradicionais, habilidades e conhecimentos muitas vezes antiquíssimos e transmitidos de geração em geração. As obras do artesanato podem ser expressões culturais tradicionais (ECT) na sua concepção, aparência e no seu estilo e podem também incorporar conhecimentos tradicionais (CT) sob a forma de aptidões e know-how utilizados para produzi-las”.

Neste sentido, quanto à propriedade intelectual, o artesanato pode ter três componentes distintos: reputação (estilo, origem ou qualidade), aparência externa (forma e concepção) e know-how (aptidões e conhecimentos para criar e fabricar).

A reputação está pautada em: 

  • marca de fábrica ou de comércio: trata-se de “um sinal utilizado para identificar e distinguir os produtos e serviços de uma determinada empresa ou empreendimento nas transações comerciais”; 
  • marca coletiva: “distingue os produtos e serviços dos membros de uma associação, que é titular da marca, dos produtos e serviços de outros empreendimentos”; 
  • marca de certificação: “indica que os produtos e serviços são certificados pelo titular da marca como correspondendo a certas normas ou características”; 
  • indicação geográfica: “um sinal que pode ser utilizado em produtos que têm uma origem geográfica específica e que possuem qualidades, reputação ou características essencialmente atribuíveis a esse lugar de origem”.

A aparência externa pauta-se na proteção da criatividade, pois “os artesãos muitas vezes produzem obras criativas que podem ser protegidas pela legislação sobre o direito autoral”; e no desenho ou modelo de uma obra, que “refere-se ao aspecto ou aparência externa de um produto, tal como a forma, padrões, linhas ou cores, e pode ser incorporado numa grande série de produtos artesanais”.

Por fim, a proteção do know-how (saber prático) associado ao artesanato orienta-se nos segredos industriais e nas patentes, que “protegem invenções que sejam novas, impliquem uma atividade inventiva e sejam suscetíveis de aplicação industrial. Permitem que o titular da patente impeça outras pessoas de utilizarem a invenção comercialmente durante um determinado prazo, geralmente 20 anos”. Enquanto os segredos industriais ou “podem dizer respeito à composição ou à concepção de um produto, a um método de fabricação ou ao know-how necessário para executar uma determinada tarefa”.

Eixo 8 – Meio Ambiente e Direito Ambiental

No ciclo produtivo do artesanato, o uso de recursos naturais é um ponto que exige bastante prudência, em virtude da finitude dos insumos e de possíveis danos ambientais oriundos da extração incorreta, além da prática de possíveis irregularidades na óptica jurídica. O inciso 2º do Art. 19 da Portaria 1.007-SEI/2018 reitera que “a produção artesanal que utiliza matéria-prima da fauna, da flora silvestre e de origem mineral deverá atender a legislação vigente, obtendo os registros necessários junto aos órgãos competentes”. 

Em adição, no Art. 2º do Estatuto da Cidade (Lei Nº 10.257/2001), consta que “a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais”, dentre as quais está presente, no inciso XII, a “proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico”.

Eixo 9 – Povos Indígenas e Trabalho Tradicional

A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), realizada em 1989 em Genebra – Suíça, instituiu no Art. 23: “O artesanato, as indústrias rurais e comunitárias e as atividades tradicionais e relacionadas com a economia de subsistência dos povos interessados, tais como a caça, a pesca com armadilhas e a colheita, deverão ser reconhecidas como fatores importantes da manutenção de sua cultura e da sua autossuficiência e desenvolvimento econômico. Com a participação desses povos, e sempre que for adequado, os governos deverão zelar para que sejam fortalecidas e fomentadas essas atividades”.

Eixo 10 – Direitos Culturais

O professor Francisco Humberto Cunha Filho explana que “Direitos Culturais são aqueles afetos às artes, à memória coletiva e ao repasse de saberes, que asseguram a seus titulares o conhecimento e uso do passado, interferência ativa no presente e possibilidade de previsão e decisão de opções referentes ao futuro, visando sempre à dignidade da pessoa humana. A Constituição Federal de 1988 discorre sobre direitos culturais no Art. 215: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. 

Eixo 11 – Fiscalização e Repressão

Neste eixo, Pedro Nicoli instigou a reflexão das seguintes questões:

Crimes contra as relações de consumo?

Irregularidades administrativas na produção e venda?

Regulação urbana e espaço?

Regulação da produção e entraves?

Perseguição às culturas populares e artesanais?

Eixo 12 – Acesso à Justiça

De acordo com o Politize, o acesso à justiça está atrelado diretamente ao sistema judiciário, ou seja, ao Estado. Ele apresenta preceitos relacionados à sociedade, evidenciando a proteção e legitimação dos direitos junto à justiça, de acordo com uma democracia sólida e efetiva perante todos. Em termos gerais, o acesso à justiça está intrinsecamente vinculado ao alcance da produção normativa, dos direitos materiais e sua realização, da informação, da assistência jurídica qualificada e gratuita e dos tribunais e métodos de solução de conflito.

Por um direito artesanal

A busca por um direito artesanal deve seguir princípios básicos, como a valorização do trabalho, a proteção à cultura e bens materiais, e a preservação ambiental. Para finalizar o encontro do módulo 3, o professor Pedro Nicoli propôs um debate pautado em:

Qual eixo, na sua vivência e prática profissional, considera mais relevante? Por que?
Na relação entre artesãos e organizações, qual é o maior entrave para formalização?
Como melhorar o acesso de artesãos e organizações à esfera dos direitos?

Logo, é nítido que há um longo percurso para a consolidação plena de todos os direitos dos agentes do setor artesanal. A formalização é urgente, para promover mais dignidade a um trabalho relevante cultural e economicamente para o Brasil. Apesar dos múltiplos entraves, a superação destas barreiras se sucederá com estudos, pesquisas, criação e aprimoramento de políticas públicas, como a proposição de um amplo diagnóstico do artesanato nacional através deste projeto, que é uma iniciativa do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB). Sobretudo, as transformações serão realizadas a partir do conhecimento das principais legislações, incluindo direitos e deveres, por parte dos artesãos e artesãs.

Pedro Nicoli é Professor da Faculdade de Direito da UFMG e membro do corpo permanente do Programa de Pós-Graduação. É Doutor em Direito pela UFMG. Professor visitante no departamento de Gênero, Sexualidade e Estudos Feministas da Duke University. Foi pesquisador visitante na Organização Internacional do Trabalho e no Collège de France. É coordenador do Diverso UFMG – Núcleo Jurídico de Diversidade Sexual e de Gênero. Desenvolve pesquisas em Direito do Trabalho e Direitos Humanos, especialmente em temas como precariedade, informalidade, margens do mundo do trabalho, gênero, sexualidade e cuidado.

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e de inteira responsabilidade do autor, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da UFMG, do Ministério da Economia e do Programa do Artesanato Brasileiro.

Referências

Apresentação do professor Pedro Augusto Gravatá Nicoli.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto garante condição de segurado especial ao trabalhador artesão – Notícias. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/788454-projeto-garante-condicao-de-segurado-especial-ao-trabalhador-artesao/>.

CONTABILIZEI. Formal, Informal, Autônomo, Liberal. Encontre o melhor modelo para sua atividade econômica. Disponível em: <https://www.contabilizei.com.br/contabilidade-online/tipos-de-trabalho-e-contratos/#trabalho-autonomo-e-freelancer>.

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EDUCA MAIS BRASIL. Educa Mais Brasil – Bolsas de Estudo de até 70% para Faculdades – Graduação e Pós-graduação. Disponível em: <https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/historia/constituicao-de-1988>.

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MATOS, Filipe. O que são os Direitos Culturais? Disponível em: <https://direitodiario.com.br/o-que-sao-os-direitos-culturais/>.

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PLANALTO. LEI COMPLEMENTAR Nº 128, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp128.htm>.

PLANALTO. LEI Nº 5.764, DE 16 DE DEZEMBRO DE 1971. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5764.htm>.

PLANALTO. LEI Nº 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>.

PLANALTO. LEI N o 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>.

PLANALTO. LEI Nº 13.180, DE 22 DE OUTUBRO DE 2015. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13180.htm>.

POLITIZE. Constituição Federal de 1988: entenda a Constituição Cidadã – Politize! Disponível em: <https://www.politize.com.br/constituicao-de-1988/>.

SERASA. Mapa da Inadimplência e Renegociação de Dívidas no Brasil – Agosto //2021. Disponível em: <https://www.serasa.com.br/assets/cms/2021/Mapa-da-Inadimple%CC%82ncia-e-Renegociac%CC%A7a%CC%83o-de-Di%CC%81vidas-no-Brasil-agosto-2021.pdf>.

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