Políticas Públicas: da construção dos problemas públicos aos processos de avaliação

Congresso Nacional em Brasília

AUTORIA: Ari Rodrigues

O segundo módulo do curso Políticas Públicas e Desenvolvimento do Artesanato, qualificação inaugural do projeto Estruturação do Sistema de Gestão do Artesanato Brasileiro: Diagnóstico e Planejamento Estratégico, abordou uma temática fundamental para o setor: as políticas públicas. O docente responsável por ministrar o tópico foi José Geraldo Leandro, que propôs a ementa:

Ciclo de produção das políticas públicas (problemas públicos, agenda governamental, formulação, implementação, monitoramento, avaliação). Instituições, ideias, atores e contexto político. Implementação em rede. Avaliação Ex-ante, Ex-post e Concomitante.

O que é uma política pública 

A definição de políticas públicas compreende um conjunto amplo de concepções, de modo que não há um modelo considerado único nem melhor que os outros. Alguns estudiosos da área ressaltam a ideia de ações que produzem impactos particulares, outros entendem simplesmente como escolhas do governo; há, ainda, defensores de políticas públicas como soluções para questões sociais. De modo geral, eles convergem para a concepção de medidas que influenciam a vida dos cidadãos. 

Conforme o manual “Políticas Públicas: conceitos e práticas” do Sebrae, políticas públicas são a totalidade de ações, metas e planos que os governos nos níveis nacionais, estaduais ou municipais traçam para alcançar o bem-estar da sociedade e o interesse público. O poder legislativo (vereadores, deputados e senadores) é responsável pela definição de medidas que impactarão o cotidiano coletivo, ao passo que o poder executivo (prefeitos, governadores e presidente) realiza sua implementação.

O despontar da política pública como área de conhecimento e disciplina acadêmica teve os Estados Unidos da América como palco e enfatizou os estudos sobre as ações dos governos, em contraste com os trabalhos europeus, até então voltados para análises sobre o Estado e suas instituições como promotores dessas intervenções.

É válido ressaltar a distinção entre Estado e governo. O primeiro abrange as instituições no campo político e administrativo que organizam o espaço de um povo ou nação, enquanto o governo é uma das instituições que compõem o Estado, sendo a esfera pública responsável por administrá-lo. O Estado é permanente e os governos são temporários em países democráticos.

Análise de políticas públicas

Para adquirir um panorama global das políticas públicas, bem como compreender todas as etapas do processo de produção, faz-se imprescindível assimilar os papéis de alguns componentes envolvidos diretamente nas metodologias: 

  • instituições são as regras que delimitam o jogo político; 
  • ideias são percepções sobre o problema e sobre como atuar para resolvê-lo; 
  • atores são os envolvidos, distintamente organizados e interessados, e podem ser públicos (políticos eleitos e servidores públicos) ou privados (imprensa, grupos de pesquisa e sindicatos, etc); 
  • contexto político representa a relação entre as forças políticas no jogo em um dado momento histórico.

O norte-americano Theodore Low De Vinne elaborou uma tipologia sobre políticas públicas, classificando-as em quatro gêneros: as distributivas acarretam intervenções limitadas ao beneficiar certos grupos sociais; as regulatórias circundam grupos de interesse, políticos e burocracia; as redistributivas são resoluções sociais universais, como o sistema previdenciário; por fim, as constitutivas tratam de procedimentos. 

Ademais, a observação de políticas públicas sob a ótica cíclica engloba procedimentos dinâmicos, compostos por vários estágios, e pautados no aprendizado constante. O policy cycle (ciclo de políticas públicas) é um processo idealizado que esclarece como a política deve ser elaborada, implementada e avaliada. Assim, este ciclo envolve cinco etapas: percepção e definição dos problemas, formação da agenda com a seleção de prioridades, formulação de políticas, implementação das ações e avaliação destas.

 
Ciclo de políticas públicas

Ciclo clássico das políticas públicas. Elaborado por José Geraldo Leandro com base em material do NEPP-Unicamp.

De acordo com o professor José Geraldo Leandro, a realidade é poliédrica e/ou interdependente, ou seja, escolhas e induções são necessárias. Neste sentido, a definição submete-se ao interesse do analista responsável, pois os problemas não têm vida própria e são passíveis de profusas deliberações e soluções.

Outrossim, uma referência pertinente para a tomada de decisão nas políticas públicas é o modelo de múltiplos fluxos, proposto pelo professor John Wells Kingdon. Neste, há três correntes dinâmicas: problemas, propostas e política. Conforme o paradigma Kingdon, o fluxo dos problemas envolve o reconhecimento das questões e suas indicações para a agenda governamental; o fluxo das alternativas trata das ideias suscetíveis a implementação; e o fluxo político contempla o clima nacional, as forças políticas organizadas e as mudanças no governo.

Modelo de múltiplos fluxos de Kingdon

Modelo de múltiplos fluxos de Kingdon. Elaborado por José Geraldo Leandro com base em material do NEPP-Unicamp.

Visões do Policy Cycle

A visão clássica do policy cicle não considera os aspectos relativos à implementação e seus efeitos retroalimentadores sobre a formulação da política, ou seja, o ciclo não é entendido como processo. Isto deve-se ao entendimento da implantação das medidas como um jogo de uma só rodada onde a ação governamental, expressa em programas ou projetos de intervenção, é executada de cima para baixo (top down).

Visão Clássica do Policy Cycle. Elaborado por José Geraldo Leandro com base em material do NEPP-Unicamp.

Por outro lado, na visão do policy cicle como processo, a implementação conquista uma dimensão relevante. Desse modo, existe um ciclo, formado por procedimentos, dentre os quais estão o “monitoramento” e a “avaliação”, considerados instrumentos que permitem correção de rota. Os empecilhos para efetivação são relacionados às questões políticas, capacidade institucional dos agentes implementadores e sabotagens realizados por grupos ou setores negativamente afetados pela política.

A visão do policy cicle como um processo simples e linear. Elaborado por José Geraldo Leandro com base no NEPP-Unicamp.

Na perspectiva do policy cicle como aprendizado, ele é caracterizado por redes de implementadores, formuladores, stakeholders (partes interessadas) e beneficiários, e por nós críticos. Estes nós representam uma crise ocasionada pela conjugação de questões relacionadas à sustentação política, coordenação institucional e capacidade de mobilizar recursos institucionais. Neste momento de turbulência, uma decisão crítica é tomada e o programa sofre um redirecionamento, simbolizando o aprendizado na dinâmica do planejamento.

O policy cicle como aprendizado

O policy cicle como aprendizado. Elaborado por José Geraldo Leandro com base no NEPP-Unicamp.

Avaliação de políticas públicas

Na avaliação de políticas públicas, são adotados métodos e técnicas que estabelecem a causalidade entre um programa e um resultado. Avaliar envolve a emissão de juízo sobre os resultados de planejamentos e ações a partir de: formulação de parâmetros que servirão de referencial, grau de alcance dos resultados previstos no planejamento e identificação de mudanças.

Segundo a professora Ivanete Boschetti, a avaliação de uma política social pressupõe inseri-la na totalidade e dinamicidade da realidade. Assim, é fundamental observar as políticas como um conjunto de programas, projetos e ações que devem universalizar direitos, consolidando, assim, o Estado democrático de direito – situação jurídica na qual todos são submetidos ao império do direito.

Nesta perspectiva, existe distinção entre controle e avaliação, à medida que o primeiro cuida da verificação de resultados e da constatação do que acontece, e a segunda faz o julgamento das consequências e busca compreender a razão delas acontecerem. O interesse pela avaliação está pautado na aguda crise social, na intensa demanda social/programas compensatórios e nos recursos limitados: preocupação com eficiência e impacto.

Algumas razões apontadas pelo professor José Geraldo Leandro para avaliar as políticas públicas são:

1. Julgar a validade de programas em andamento e estimar a necessidade de melhorá-los; distinguir os programas não efetivos e ineficientes e planejar, desenhar e implementar novos esforços que tenham o impacto desejado;

2. Verificar a necessidade de novos programas e iniciativas;

3. Aumentar a efetividade do gerenciamento e administração de programas;

4. Satisfazer as exigências de accountability;

5. Contribui para o conhecimento acadêmico (técnico, teórico e metodológico).

Além disto, ele considera que é preciso responder às perguntas:

1. Qual a natureza e escopo do problema requerendo novo programa, expansão ou modificação? Onde ele é localizado e a quem afeta? (avaliação ex-ante, concomitante e ex-post.)

2. Que intervenções possíveis tem probabilidade de melhorar os problemas significativamente?

3. Qual é a população alvo apropriada para uma intervenção particular?

4. Está a intervenção alcançando a população alvo?

5. A intervenção está sendo implementada da maneira prevista?

6. É ela efetiva?

7. Quanto custa?

8. Quais são os seus custos em relação à sua efetividade e benefícios?

As categorias de avaliação 

Os estudos acerca da avaliação de políticas públicas indicam três categorias principais: quanto ao seu objetivo, divididas em efetividade, eficácia e eficiência; em função do momento de realização, sendo ex-ante, ex-post e concomitante; e conforme a posição de quem realiza a pesquisa, a escala de propostas e seus destinatários.

Avaliação segundo os objetivos

De acordo com Marcus Figueiredo e Argelina Figueiredo, na avaliação de eficácia é estabelecida a relação entre as metas propostas e as metas alcançadas, bem como a associação entre instrumentos previstos para a implementação e os efetivamente empregados. 

No caso da avaliação de eficiência, analisa-se o esforço empregado na implementação de uma dada política e os resultados alcançados, considerando custos, recursos humanos ou tempo. O emprego deste modelo é pautado na grande dimensão das populações a serem cobertas pelos programas sociais, na escassez dos recursos públicos e exigência de maior racionalização do gasto, além da necessidade de comprovar o bom uso de verbas como condição para a confiança pública.

Em adição, na avaliação de efetividade, examina-se a implementação de um determinado programa e seus impactos e/ ou resultados, segundo as mudanças nas condições prévias de vida dos indivíduos atingidos pelo programa. Este paradigma encontra obstáculos na obtenção de informações, no isolamento da interferência das variáveis intervenientes e nos custos financeiros e organizacionais.

Avaliação segundo o momento de realização

A distinção primordial entre a avaliação ex-ante e a avaliação ex-post é a primeira ser realizada no início do projeto e possibilitar a antecipação de certos aspectos considerados no processo decisório, ao passo que a segunda decorre na execução ou após a finalização do plano e molda as decisões conforme os efeitos atingidos.

Por ser adotada antes da imersão e da operação, a avaliação ex-ante permite estimar os custos e o impacto e adotar a decisão de implementar ou não o programa. É estimulada pelos organismos multilaterais de financiamento e torna-se viável mediante a análise de custo-benefício e custo-efetividade. Entretanto, em muitos casos, não é uma avaliação adequada para alguns programas sociais.

Segundo José Sulbrandt, a avaliação de ex-post trata-se de um exame sistemático e rigoroso dos resultados obtidos por uma política ou programa com relação às metas propostas e aos efeitos esperados nos grupos sociais beneficiários. Entre suas funções, estão a decisão de continuar ou não com o projeto ou estabelecer a conveniência de executar iniciativas similares, além da resolução sobre uma possível necessidade de reordenação do planejamento. 

Por fim, a avaliação concomitante consiste em um estudo sistemático e rigoroso das atividades desenvolvidas para obter as metas e os impactos propostos. Este formato visa conhecer o grau de cumprimento das metas; explicar as causas das discrepâncias entre metas e resultados/impacto; e identificar responsabilidades no processo, configurando-se como instrumento para melhorar o desempenho, instância de aprendizagem.

Outras tipologias de avaliação

Além dos modelos regidos pelo momento de realização ou pelos objetivos de uma proposta, são estabelecidas as avaliações de processo, de impacto e de metas. Esta última apresenta problemas na identificação da meta correta graças à complexidade, à incerteza e à ambiguidade, e lida com metas múltiplas, que podem ser alteradas no decorrer do tempo. 

Quanto a avaliação de processos, por ser realizada durante a implementação de um plano, afeta a organização e as operações. Seu foco é determinar a medida em que os componentes de um projeto contribuem ou são incompatíveis com os fins perseguidos. Já a avaliação de impactos procura determinar quanto o programa alcança seus objetivos e busca compreender quais são seus efeitos secundários (previstos e não previstos).

Políticas Públicas do Artesanato

O artesanato foi contemplado com as primeiras políticas públicas durante o regime ditatorial do Estado Novo, sob comando de Getúlio Vargas, em um momento que o país atravessava uma transição da produção manual para a industrial. A Bahia foi o estado precursor no estabelecimento das primeiras ações e contou com diversas instituições, como o Instituto Feminino Visconde de Mauá (1939).

Um grande marco para o setor foi a criação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), através da lei nº 1649/1952, que ratificou o artesanato como atividade econômica e ofereceu relevante assistência através de empréstimos. Nacionalmente, em uma das experiências iniciais de política pública, elaborou-se o Programa de Assistência ao Artesanato Brasileiro (PAAB), em 1961, gerido pelo Ministério da Educação e Cultura, cuja duração foi de apenas seis meses em função de questões administrativas e financeiras.

Desde 1991, as políticas públicas do artesanato são organizadas pelo Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), que coordena e desenvolve atividades que visem a valorizar o artesão brasileiro, elevando o seu nível cultural, profissional, social e econômico, além de desenvolver e promover o artesanato e a empresa artesanal, segundo a definição oficial do órgão. 

Ferramentai

A trajetória das políticas públicas do artesanato brasileiro tem início com a perspectiva do potencial econômico da atividade de atenuar crises sociais em regiões específicas.

Algumas críticas são tecidas às avaliações de modo geral, como a apresentação de resultados inconclusivos ou disponibilizados com atrasos, de modo que não auxiliam na tomada de decisões. São apontados, ainda, escassos graus de relevância e de utilidade de algumas avaliações, não respondendo às aspirações de informação dos agentes sociais. 

Este entendimento deve-se, sobretudo, à base da avaliação tradicional ser fundamentada na concepção normativo-formal das políticas e programas, das organizações e dos processos de implantação. De qualquer maneira, sob as ópticas gerencial e política, a avaliação figura mais do que aplicação de métodos e técnicas e interfere nas alocações para o planejamento, desenho, implementação e continuidade de programas. 

Portanto, como o processo produtivo de uma política pública é extenso, envolve muitos atores e é subsidiado por grandes montantes de recursos governamentais, advindos da contribuição da sociedade civil, é imprescindível o acompanhamento das discussões, implementações e avaliações de cada projeto, como maneira de assegurar a lisura de procedimentos que objetivam melhor aspectos da vida dos cidadãos.

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e de inteira responsabilidade do autor, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Ministério da Economia e do Programa do Artesanato Brasileiro.

Referências

ALVES, Rodolfo F. Conceito de Estado. O papel do Estado no espaço geográfico. Disponível em: <https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/conceito-estado.htm>.

‌AMARAL, Ernesto F. L. AULA 07 – Tipos de avaliação. Disponível em: <https://www.ernestoamaral.com/docs/dcp046-111/Aula07.pdf>.

Apresentação elaborada por José Geraldo Leandro.

ARRETCHE, Marta T. S. “Tendências no estudo sobre avaliação”. In: RICO, Elizabeth Melo (org.). Avaliação de Políticas Sociais: uma questão em debate. São Paulo: Cortez: Instituto de Estudos Especiais, 1998.‌

ASSIS, Marcelo Prudente de et al. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/sausoc/a/sWWqJT8yxhbJzDdwQ6K365c/?format=pdf&lang=pt>.

BERNARDA, Leila et al. O modelo dos múltiplos fluxos de Kingdon na análise de políticas de saúde: aplicabilidades, contribuições e limites. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/sausoc/a/LPqDQ59Jd7kqnD93nKfKd7d/?format=pdf&lang=pt>.

BOSCHETTI, Ivanete. Avaliação de políticas, programas e projetos sociais. Disponível em: <http://www.cressrn.org.br/files/arquivos/V6W3K9PDvT66jNs6Ne91.pdf>.

EGU. The policy cycle. Disponível em: <https://www.egu.eu/policy/basics/cycle/>.

‌FIGUEIREDO, M.; FIGUEIREDO, A. Avaliação política e avaliação de políticas: um quadro de referência teórica. Análise e Conjuntura, Belo Horizonte, v. 1, n. 3, set./dez. 1986. Disponível em: <https://picture.iczhiku.com/resource/paper/whksjoUKOudfEbXb.pdf>.

SANTANA, Maria Fontenele. Trajetória do Artesanato Brasileiro: perspectivas das políticas públicas. Disponível em: <https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/40378/1/2020_MairaFonteneleSantana.pdf>.

SEBRAE MG. Políticas públicas: conceito e prática. Série políticas públicas. Vol 7. Disponível em: <http://www.mp.ce.gov.br/nespeciais/promulher/manuais/MANUAL%20DE%20POLITICAS%20P%C3%9ABLICAS.pdf>. 

SILVA, Pedro L. B.; MELO, Marcos A. B. O Processo de Implementação de Políticas Públicas no Brasil: características e determinantes da avaliação de programas e projetos. Disponível em: <https://governancaegestao.files.wordpress.com/2008/05/teresa-aula_22.pdf>.

SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, n. 16, p. 20–45, dez. 2006. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/soc/a/6YsWyBWZSdFgfSqDVQhc4jm/?lang=pt>.

SULBRANDT, José. A avaliação dos programas sociais: uma perspectiva crítica dos modelos usuais. In: KLIKSBERG, Bernardo. Pobreza: uma questão inadiável. Brasília. ENAP, 2004, p.365-408.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

A Rede Artesanato Brasil usa cookies para personalizar e melhorar a sua experiência no site. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade.