Como a pandemia de Covid-19 afetou o artesanato brasileiro

AUTORIA: Ari Rodrigues

A eclosão da pandemia da Covid-19 representou uma alteração significativa na rotina e na forma de vida de bilhões de pessoas ao redor do planeta. Os padrões de trabalho que constituíam muitas economias globais não permaneceram intactos, pelo contrário, alterações recentes na dinâmica das tarefas prometem permanecer por um longo período na esfera organizacional, até que outro marco obrigue os humanos a reestruturarem comportamentos.

No caso dos artesãos, após uma trajetória de sucesso crescente na venda das peças manuais nos últimos anos, foi necessário enfrentar a impossibilidade de realização de feiras de artesanato e demais eventos que estabeleciam o contato direto com os consumidores, arranjo responsável pela renda integral de indivíduos. Houve queda expressiva na arrecadação geral e muitos empreendimentos foram encerrados. 

Porém, em meio a escuridão da situação, um senso de colaboração e responsabilidade comum teve seu brilho destacado: muitos artesãos voltaram-se para a fabricação de máscaras faciais, utilizando sua capacidade técnica para gerarem um novo rendimento para as famílias e, ao mesmo tempo, contribuíram na prevenção de uma doença infecciosa. Assim, a cooperação e a solidariedade ganharam importância, mas essas vertentes são suficientes para superar os obstáculos impostos ao setor em uma era industrial e competitiva?

Cenário Pré-pandêmico

Nos últimos anos, o trabalho manual e exclusivo, uma espécie de alternativa à massificação e à uniformização de produtos, adquiriu grande relevância econômica ao auxiliar no sustento de muitas famílias e comunidades ao longo território nacional e articular-se com outros setores, como o turismo. O artesanato é responsável pela movimentação de grandes montantes por ano no país e é fonte de renda para milhões de pessoas, além de contribuir com a economia de diversos municípios brasileiros.

Devido à extensão continental do Brasil, a variedade da produção artesanal é rica e expressiva, em virtude da heterogeneidade dos estilos, técnicas e materiais disponíveis em cada região do país. Entretanto, a informalidade de muitos profissionais sempre foi um entrave para a expansão do negócio, além de acarretar vulnerabilidade socioeconômica desses atores. A plataforma Data Sebrae indica que o artesanato representa a principal fonte de renda para 3 em cada 5 artesãos, sendo que apenas 40% deles possuem CNPJ.

Adaptações com a Covid-19

O ramo do artesanato vinha estabelecendo sua presença nas mídias digitais como alternativa para ampliar a comercialização de suas obras, tanto pela praticidade quanto por configurar um mecanismo fundamental para romper as barreiras geográficas. Porém, tratava-se de disposições individuais, sem uma coordenação em âmbito nacional e com predominância de alguns segmentos, como itens de papelaria. Durante o período pandêmico, a digitalização tornou-se praticamente obrigatória.

Em dezembro de 2020, o Instituto Centro de Capacitação e Apoio ao Empreendedor (Centro CAPE) realizou a 31ª Feira Nacional de Artesanato – Rotas do Brasil de maneira híbrida, ou seja, houve exposições presenciais e uma edição virtual. Os visitantes foram recebidos no Expominas, em Belo Horizonte. 

Nas primeiras semanas de 2021, o Governo da Paraíba e o Sebrae estadual deram início ao 32° Salão do Artesanato Paraibano de modo virtual. Com a temática “Retalhos que conectam vidas”, a edição estava prevista para acontecer entre janeiro e março desse ano, porém foi prorrogada até o fim de junho de modo a proporcionar mais apoio aos artesãos do estado. As tipologias escolhidas para serem homenageadas foram fuxico e patchwork.

Técnica patchwork

Peça criada com a técnica patchwork para exposição no evento – Foto: Thercles Silva

Outro exemplo é a Feira Virtual do Jundiaí Feito à Mão, realizada entre 7 e 11 de junho de 2021. O evento contou com 25 artesãos da cidade paulista e teve como foco o Dia dos Namorados. Entre as peças ofertadas, estavam bijuterias, mosaico, patchwork, sabonetes artesanais e pintura em tecido. Em Natal, a 26ª Feira Internacional de Artesanato (Fiart) também ocorreu virtualmente. Foram expostos produtos de 250 artesãos do Rio Grande do Norte e apresentações musicais foram transmitidas no canal do YouTube da organização.

26ª Feira Internacional de Artesanato, durante a pandemia de covid-19

Catálogo virtual de produtos da 26ª Feira Internacional de Artesanato (Fiart). — Foto: Divulgação

Desafios

Entretanto, o estabelecimento da presença digital de todos, tida como solução para impulsionar as vendas de um setor clássico ainda é um grande obstáculo. A diversidade nos aspectos estruturais, socioeconômicos e políticos das regiões brasileiras levou muitos locais a acompanharem essa transição de modo lento. A indisponibilidade de equipamentos tecnológicos adequados, alinhada à ausência de prática com o mundo digital e baixa qualidade de internet são, ainda, enormes problemas para muitas comunidades.

Além da dificuldade inicial na transição para o comércio eletrônico, os artesãos tiveram que lidar com outra questão: a concorrência desnivelada. Os empreendimentos que já estavam estabelecidos no ambiente virtual saíram na frente por sua capacidade de negociar preços de insumos, possuir logística estruturada e localizar-se nos principais centros urbanos, o que reduz tanto o valor das obras quanto do frete. Em adição, mesmo com a busca de alternativas, a pandemia do novo coronavírus provocou uma crise econômica no país, reduzindo a possibilidade de muitas pessoas adquirirem os produtos artesanais.

A décima edição do estudo “O Impacto da pandemia de coronavírus nos Pequenos Negócios”, realizado pela parceria entre Sebrae e FGV entre fevereiro e março de 2021, apontou que o artesanato foi o quinto setor mais afetado pelas mudanças advindas da crise sanitária, com uma perda de 46% no faturamento, uma piora em relação aos dados de novembro de 2020, quando a queda era de 33%. A proporção de empresários do ramo que se declararam preocupados com o futuro alcançou os 56%.

E agora?

Na pandemia da Covid-19, o artesão, em especial, reformulou sua maneira de comercializar suas criações e reestruturou seu modelo de negócio, porém ainda há muitos desafios a serem superados por esse grupo na busca de uma maior valorização de seu trabalho e de uma organização nacional. Nesse âmbito, o Projeto de Estruturação do Sistema de Gestão do Artesanato Brasileiro: Diagnóstico e Planejamento Estratégico, iniciativa do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB) com apoio do SEBRAE e realização da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), visa o reconhecimento e o fortalecimento da profissão de artesão, a partir de pesquisas e diálogo com fóruns estaduais do setor, além de analisar as políticas públicas referentes aos profissionais, proporcionar qualificação e fomentar a realização desta importante atividade para nossa memória e nossa economia.

Portanto, é o momento ideal para a sociedade refletir sobre a importância de apoiar as formas de trabalho que podem formar as bases de sistemas econômica e ambientalmente mais justos amanhã. Desse modo, poderemos redesenhar estruturas para realmente agregar valor àqueles que estão no local, incentivando a  colaboração e protegendo os fabricantes de peças que representam a cultura nacional. 

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e de inteira responsabilidade do autor, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Ministério da Economia e do Programa do Artesanato Brasileiro.

Referências

ASN – Mercado de artesanato se reinventa para sobreviver à pandemia. Disponível em: <http://www.agenciasebrae.com.br/sites/asn/uf/NA/mercado-de-artesanato-se-reinventa-para-sobreviver-a-pandemia,97ed3e6a3e2f7710VgnVCM100000d701210aRCRD>.

‌COURI, Leandro. Feira de Artesanato, em BH, recebe visitantes com protocolos de segurança. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2020/12/02/interna_gerais,1216726/feira-de-artesanato-em-bh-recebe-visitantes-com-protocolos-de-segura.shtml#ancora_galeria1>.

DATA SEBRAE. Artesanato. Disponível em: <https://datasebrae.com.br/artesanato/#indice>.

DATA SEBRAE. O Impacto da pandemia de coronavírus nos Pequenos Negócios – 10ª edição. Disponível em: <https://datasebrae.com.br/wp-content/uploads/2021/03/Impacto-coronav%C3%ADrus-nas-MPE-10%C2%AAedicao_DIRETORIA-v4.pdf>.

FERRAZ, Manuela; MARIA CAROLINA BRITO. A reinvenção do artesanal: como a pandemia afetou o setor no DF. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/revista-do-correio/2020/09/4877922-a-reinvencao-do-artesanal-como-a-pandemia-afetou-o-setor-no-df.html>.

G1. Em formato virtual, Fiart começa nesta sexta-feira (4) em Natal; veja programação. Disponível em: <https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2021/06/04/em-formato-virtual-fiart-comeca-nesta-sexta-feira-4-em-natal-veja-programacao.ghtml>.

GOVERNO DA PARAÍBA. Salão do Artesanato Paraibano virtual é prorrogado até 30 de julho. Disponível em: <https://paraiba.pb.gov.br/noticias/salao-do-artesanato-paraibano-virtual-e-prorrogado-ate-30-de-julho>.

 

4 thoughts on “Como a pandemia de Covid-19 afetou o artesanato brasileiro

    • Ari Rodrigues says:

      Olá Valter!

      Agradecemos a leitura do artigo.

      O projeto do diagnóstico do artesanato brasileiro, iniciativa do Programa do Artesanato Brasileiro – PAB, executada pela UFMG, está fazendo o levantamento dos problemas que atingem o setor artesanal e identificando soluções de curto, médio e longo prazos, de forma a aperfeiçoar a política do PAB, abrangendo questões relativas à base legal, à produção, à comercialização, entre outras.

      As feiras nacionais estão sendo retomadas gradualmente e esperamos que, por meio da articulação da Rede Artesanato Brasil, que está sendo feita por meio deste projeto, os estados e municípios criem soluções para a comercialização dos produtos artesanais.

      A sua participação é muito importante, por isso te convidamos a se inscrever na Rede Artesanato Brasil, acessando o link <https://redeartesanatobrasil.com.br/nossa-rede/faca-parte-da-rede/>. Você pode se inscrever como pessoa física (CPF) e/ou pessoa jurídica (CNPJ) e continuar participando. Caso já tenha feito a sua inscrição, informamos que, no próximo ano, em algum momento, entraremos em contato com você para participar das atividades do projeto programadas para a próxima etapa.

  1. Márcia maria de 0liveira says:

    A pandemia deixou e tem deixado uma situação de vulnerabilidade ao setor artesanal, a recuperação será em longo prazo, já que tínhamos uma situação caótica na comercialização por falta de politicas públicas estaduais.

    • Ari Rodrigues says:

      Olá Márcia! Agradecemos a leitura.

      De fato a pandemia tem afetado fortemente o artesanato. Através do diagnóstico e das articulações do projeto, esperamos que os estados e municípios elaborem soluções para a comercialização dos produtos artesanais de modo a recuperar os danos provocados.

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