Economia e Desenvolvimento no Mundo Pós-Pandemia

Economia foi afetada com restrição de fluxos comerciais

AUTORIA: Ari Rodrigues

Ao longo de sua trajetória histórica, o artesanato, atividade primordialmente cultural, expandiu sua participação para outros segmentos da vida em sociedade, como a economia. Da confecção utilitária de cerâmicas e cestarias no período neolítico (6.000 a.C.), passando pela introdução do caráter mercantil na Baixa Idade Média (séculos XI-XV), até o panorama globalizado atual, o fazer manual uniu a possibilidade de desenvolvimento econômico à expressão das particularidades de determinados povos, influenciando tanto as rendas de cada família quanto o progresso comunitário.

Desse modo, como os contextos sociais, políticos e econômicos moldaram o aperfeiçoamento do ofício no Brasil? Qual a importância de políticas públicas para o crescimento da participação do artesanato na economia? E como orquestrar um desenvolvimento econômico amplo no pós-pandemia de Covid-19, considerando as mudanças no mundo do trabalho? Estes foram alguns dos questionamentos norteadores do sétimo módulo do curso Políticas Públicas e Desenvolvimento do Artesanato, ofertado pelo projeto em 2021. 

O docente responsável por conduzir as discussões foi Sandro Pereira Silva, Doutor em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pela UFRJ; Mestre e bacharel em Economia pela UFV; e Técnico de Planejamento e Pesquisa no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) desde 2009. A ementa do módulo foi: “proporcionar reflexões sobre o atual cenário econômico em escalas nacional e internacional, abordando elementos do mundo do trabalho, a partir do diálogo entre perspectivas estruturais e conjunturais”.

Histórico recente da economia brasileira

A abordagem adotada por Sandro Pereira teve como premissa o marco de 200 anos da independência brasileira em 2022, que se mantém,  ainda, uma nação concentradora de renda, cujo desenvolvimento pautou-se na adoção do escravismo nos grandes complexos econômicos — açúcar, ouro e café —, e no ataque a indígenas, iniciado junto à colonização portuguesa e conservado até a atualidade. Em virtude da complexidade dos acontecimentos históricos entre os períodos colonial e imperial, o docente optou por um recorte histórico a partir do século XX.

O Brasil é um país desigual. Duas notícias de 6 de abril de 2021 ratificam essa afirmação: durante a pandemia, enquanto mais de 116 milhões de brasileiros foram inseridos na condição de insegurança alimentar ou sem refeições, o país contou com o surgimento de 11 bilionários. Em adição aos desequilíbrios entre indivíduos, as macrorregiões também não compartilham do mesmo nível de desenvolvimento e nem de participação na geração da riqueza nacional. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2020, o rendimento médio mensal domiciliar no Sudeste atingiu R$1673, enquanto no Nordeste foi de R$891 e R$896 no Norte.

Nesse sentido, as causas para as disparidades regionais têm sustentação em conjunturas históricas. Enquanto a porção sul do Brasil vivenciou intenso avanço industrial no século XX, em especial São Paulo, que se tornou o polo nacional com o capital advindo do café, a parte norte ficou desestimada. Essa foi uma das razões para que o artesanato fosse uma alternativa de renda no início do século, pois dispunha de um investimento relativamente baixo e empregava os trabalhadores rurais em períodos de entressafra, em um contexto de alto índice de desemprego e desigualdade social acentuada nas regiões distantes do polo nacional.

Em adição, algumas iniciativas locais do artesanato se manifestaram nas primeiras décadas do século, como o Instituto Feminino Visconde de Mauá (1939), porém, o Governo de Getúlio Vargas foi o precursor na elaboração de políticas públicas nacionais para o setor, com a criação do então Banco do Nordeste do Brasil (BNB) em 1952, em um momento que o país experienciava uma presença crescente da indústria. Antes disso, durante o Estado Novo, houve importantes avanços quanto ao mercado de trabalho: em 1943, aprovou-se a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), cujos direitos atendiam essencialmente a população urbana, sendo que a maioria dos brasileiros vivia no campo à época.

As últimas décadas do século passado trouxeram intensos abalos para o desenvolvimento nacional, conforme destacou Sandro Pereira. Com a ditadura de 1964, o país vivenciou um controle de variáveis institucionais, um “milagre econômico” marcado pela concentração de renda e o processo de êxodo rural para atuação na indústria pesada. O artesanato adquiriu certo destaque devido à sua capacidade de gerar símbolos sobre a identidade brasileira. Os anos 1970 foram marcados pela crise do petróleo, que determinou o fim das altas taxas de crescimento do país, e pela expansão da dívida externa

A década posterior estruturou-se em graves problemas financeiros, como o desemprego em massa, e simbolizou o retorno aos governos democráticos, com a promulgação da Constituição de 1988, cujas bases foram pactos sociais e direitos fundamentais dos cidadãos. Nos anos 1990, a criação do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), nesse período, configurou-se como um avanço em políticas públicas para o setor. Posteriormente, após as problemáticas da abertura econômica, o país atravessou um período de crescimento econômico e investimentos em programas sociais, o que beneficiou o mercado do artesanato, que depende da disponibilidade de renda dos consumidores.

Impactos da atual pandemia de Covid-19

A crise sanitária gerou alterações expressivas no mercado de trabalho, já debilitado desde 2015. Desse modo, a adoção do trabalho remoto compreendeu cerca de 8 milhões de pessoas em setembro de 2020, segundo dados da PNAD Covid-19, e representou uma alternativa restrita para trabalhadores com rendas mais altas e escolaridade elevada: 27,1% das pessoas com nível superior contra 0,9% daqueles com ensino médio incompleto. Além disso, a intensificação do índice de desempregados foi inevitável: no segundo trimestre de 2020, foram perdidos diversos postos de trabalho, em especial nos setores de construção, alimentação e atividades domésticas.

Economia foi fortemente impactada pela pandemia de Covid-19

Variação interanual no segundo trimestre de 2020 da população ocupada por setores de atividade (em %). Reprodução: PNAD Contínua/IBGE.

O artesanato também foi muito afetado pelo advento do novo coronavírus, pois a estrutura de comercialização dos objetos manuais estava centrada em feiras realizadas presencialmente. Segundo levantamento do SEBRAE e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), realizado entre fevereiro e março de 2021, o setor obteve uma queda de 46% no faturamento; no ano anterior, chegou a 70%. Na tentativa de amenizar o contexto desfavorável aos artesãos, foram realizadas feiras virtuais, como a 31ª Feira Nacional de Artesanato – Rotas do Brasil, Feira Virtual do Jundiaí Feito à Mão e o 32° Salão do Artesanato Paraibano em 2020. No ano seguinte, os eventos presenciais se expandiram, com destaque ao 14º Salão do Artesanato, em Brasília. 

Sob essa perspectiva, as mudanças impostas ao setor artesanal beneficiaram alguns empreendedores do ramo, porém o cenário foi devastador para grande parcela dos artesãos ao longo do país. A inserção no meio digital tornou-se a única alternativa para as vendas, no entanto, essa transição não foi acompanhada por todos: muitos lidaram com a indisponibilidade de equipamentos tecnológicos adequados, desconhecimento das ferramentas digitais, além de outras variáveis, como qualidade de conexão, concorrência do e-commerce e de outros empreendedores cujas localizações geográficas são mais favoráveis.

Por consequência da pandemia, a Câmara dos Deputados aprovou o auxílio emergencial no valor de R$600 em 26 de março de 2020, cedido a milhões de brasileiros. O benefício proporcionou a aquisição de itens básicos de sobrevivência em meio a uma economia desfavorável e auxiliou na redução da transmissibilidade do coronavírus.

Ademais, o Programa do Artesanato Brasileiro (PAB) se esforçou para atender às necessidades dos artesãos. Em entrevista ao quadro Artesanato entreVISTAS, realizada em 10 de dezembro do ano passado, Fábio Silva, Coordenador-Geral de Empreendedorismo e Artesanato no Ministério da Economia e Gestor do PAB,  afirmou que o órgão federal organizou parcerias com os marketplaces Mercado Livre e a Amazon, onde os artesãos cadastrados no SICAB têm um espaço exclusivo para a exposição de seus produtos. Na mesma entrevista, César Rissete, Gerente da Unidade de Competitividade do SEBRAE Nacional, destacou que a parceria entre as duas instituições contribuiu com o maior acesso dos artesãos ao microcrédito.

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Dimensões alternativas para o desenvolvimento econômico

Sandro Silva propõe um novo olhar para a retomada econômica, que se apresenta ainda tímida e gradual, com crescimento no PIB por volta de 4,7% em 2021, segundo apontado pela FGV, e com estimativas de pouco menos de 0,5% em 2022. O Técnico do IPEA sugere também a adoção de uma visão plural da economia, de modo que seja elaborado e operacionalizado um projeto de desenvolvimento com a participação da população, e que considere questões urbanas e ambientes com a importância que exigem.

O economista encerrou o módulo com a apresentação de alguns desafios do artesanato na era globalizada: o setor tem uma concorrência desleal com os produtos importados, sendo alguns mais baratos por questões de flexibilização trabalhistas e produção em massa; o direcionamento dos objetos sustentáveis para consumidores que vão valorizá-los; a questão da inserção de tecnologia na confecção, em uma fronteira entre tradicional e moderno; e as oportunidades de conexões com outros setores; além da necessidade de melhorias em políticas públicas: acesso ao crédito, assistência técnica, canais de comercialização e capacitações.

Portanto, o Projeto Estruturação do Sistema de Gestão do Artesanato Brasileiro: Diagnóstico e Planejamento Estratégico, uma iniciativa do Prrograma do Artesanato Brasileiro (PAB), executada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), será instrumentado para a compreensão do papel que o artesanato desempenha nas culturas locais em que ele está inserido, atrelado aos aspectos socioeconômicos dos atores que o compõem e da comunidade em seu entorno, além das análises de políticas públicas existentes na busca por aperfeiçoamentos.

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e de inteira responsabilidade do autor, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Ministério da Economia e do Programa do Artesanato Brasileiro.

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Referências

AGÊNCIA BRASIL. Indígenas denunciam mais um ataque de garimpeiros em terra Yanomami. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-05/indigenas-denunciam-mais-um-ataque-de-garimpeiros-em-terra-yanomami>. Acesso em: 10 fev. 2022.

CAMPOS, Álvaro. No ano da pandemia, Brasil ganha 11 novos bilionários na lista da Forbes. Disponível em: <https://valor.globo.com/google/amp/financas/noticia/2021/04/06/brasil-ganha-11-novos-bilionarios-na-lista-da-forbes.ghtml>. Acesso em: 10 fev. 2022.

FGV, SEBRAE. O Impacto da pandemia de coronavírus nos Pequenos Negócios – 10ª edição. Disponível em: <https://fgvprojetos.fgv.br/sites/fgvprojetos.fgv.br/files/impacto-coronavirus-nas-mpe-10aedicao_diretoria-v4.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2022.

G1. Brasil tem 2ª maior concentração de renda do mundo, diz relatório da ONU. Disponível em:<https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/12/09/brasil-tem-segunda-maior-concentracao-de-renda-do-mundo-diz-relatorio-da-onu.ghtml>. Acesso em: 10 fev. 2022.

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SANTANA, Maíra Fontenele. TRAJETÓRIA DO ARTESANATO BRASILEIRO: PERSPECTIVA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Brasília 2020. Disponível em: <https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/40378/1/2020_MairaFonteneleSantana.pdf>. Acesso em: 14 fev. 2022.

YOUTUBE, Rede Artesanato Brasil. Artesanato entreVISTAS – Terceiro bate-papo sobre o projeto. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=afl6PkJmb0U>. Acesso em: 14 fev. 2022.

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